quarta-feira, 30 de junho de 2010

A última crônica- Fernando Sabino.


A ULTIMA CRÔNICA


A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café
junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.


A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou
do irrisório no
cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência,
que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao
circunstancial, ao
episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de
esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico,
torno-me simples espectador e perco a noção do essencial.
Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o
verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último
poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar
fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma
crônica.


Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de
sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha
de seus três anos, laço na cabeça, toda
arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas
curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres
esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da
família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam
para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro
que discretamente retirou do bolso, aborda o
garçom,
inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando
imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do
garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta
para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a
reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu
lado o
garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão
apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo
simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia
triangular.

A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o
garçom deixou à sua frente.
Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e
filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O
pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um
animalzinho. Ninguém mais os
observa além de mim.

São três
velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta
caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola,
o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto
ensaiado, a
menininha repousa o queixo no mármore e sopra
com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa.
A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas
e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura --
ajeita-lhe a
fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de
bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim,
satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da
celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se
encontram, ele se perturba, constrangido -- vacila, ameaça
abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se
abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última
crônica: que fosse pura
como esse sorriso.



sexta-feira, 25 de junho de 2010

O contador de historias




Roberto, é o caçula da família entre 10 irmãos, e que desde cedo mostra ter um talento especial para contar histórias. Mas aos 6 anos de idade, Roberto é abandonado pela mãe, e passa a viver em uma entidade assistencial do governo. Aos 13 anos, a diretora da entidade classificava Roberto como "Irrecuperável", por causa das diversas fugas do menino.

Contudo, para a pedagoga francesa Margherit Duvas, que vem ao Brasil para o desenvolvimento de uma pesquisa, Roberto representa um desafio. E agora a pedagoga está determinada a fazer do menino o objeto de seu estudo e tenta se aproximar dele. O menino resiste no começo, mas depois de uma experiência traumática, procura abrigo na casa de Margherit.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Crônica


O que é cronica?
-Assim como a fábula e o enigma, a crônica é um gênero narrativo. Como diz a origem da palavra (Cronos é o deus grego do tempo), narra fatos históricos em ordem cronológica, ou trata de temas da atualidade. Mas não é só isso. Lendo esse texto, você conhecerá as principais características da crônica, técnicas de sua redação e terá exemplos.


Uma das mais famosas crônicas da história da literatura luso-brasileira corresponde à definição de crônica como "narração histórica". É a "Carta de Achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha", na qual são narrados ao rei português, D. Manuel, o descobrimento do Brasil e como foram os primeiros dias que os marinheiros portugueses passaram aqui. Mas trataremos, sobretudo, da crônica como gênero que comenta assuntos do dia a dia. Para começar, uma crônica sobre a crônica, de Machado de Assis:

O nascimento da crônica

“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue está começada a crônica. (...)


(Machado de Assis. "Crônicas Escolhidas". São Paulo: Editora Ática, 1994)

Publicada em jornal ou revista onde é publicada, destina-se à leitura diária ou semanal e trata de acontecimentos cotidianos.

A crônica se diferencia no jornal por não buscar exatidão da informação. Diferente da notícia, que procura relatar os fatos que acontecem, a crônica os analisa, dá-lhes um colorido emocional, mostrando aos olhos do leitor uma situação comum, vista por outro ângulo, singular.

O leitor pressuposto da crônica é urbano e, em princípio, um leitor de jornal ou de revista. A preocupação com esse leitor é que faz com que, dentre os assuntos tratados, o cronista dê maior atenção aos problemas do modo de vida urbano, do mundo contemporâneo, dos pequenos acontecimentos do dia a dia comuns nas grandes cidades.

Jornalismo e literatura

É assim que podemos dizer que a crônica é uma mistura de jornalismo e literatura. De um recebe a observação atenta da realidade cotidiana e do outro, a construção da linguagem, o jogo verbal. Algumas crônicas são editadas em livro, para garantir sua durabilidade no tempo.

Leia a seguir uma crônica de um dos maiores cronistas brasileiros:

Recado ao Senhor 903

“Vizinho,

Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito a repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor; é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois as 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada: e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
[...] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: ‘Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela’.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.”


(Rubem Braga. "Para gostar de ler". São Paulo: Ática, 1991)

Fato corriqueiro...

Há na crônica uma série de eventos aparentemente banais, que ganham outra "dimensão" graças ao olhar subjetivo do autor. O leitor acompanha o acontecimento, como uma testemunha guiada pelo olhar do cronista que tem a pretensão de registrar de maneira pessoal o acontecimento. O autor dá a um fato corriqueiro uma perspectiva, que o transforma em fato singular e único.

No caso da crônica "Recado ao Senhor 903", há uma crítica à desumanização na cidade grande, na qual somos, muitas vezes, apenas números e não pessoas. O surpreendente é a inversão proposta pelo narrador ao final da crônica: no lugar da intolerância, tão comum nas cidades grandes, ele propõe um possível acolhimento amigo.

Outro aspecto é que as personagens das crônicas não têm descrição psicológica profunda, pois, são caracterizadas por uma ou duas características centrais, suficientes para compor traços genéricos, com os quais uma pessoa comum pode se identificar. Em geral, as personagens não têm nomes: é a moça, o menino, a velha, o senador, a mulher, a dona de casa. Ou têm nomes comuns: dona Nena, seu Chiquinho, etc...


  • Características das crônicas

    A crônica é um texto narrativo que:
  • É, em geral, curto;
  • Trata de problemas do cotidiano; assuntos comuns, do dia a dia;
  • Traz as pessoas comuns como personagens, sem nome ou com nomes genéricos. As personagens não têm aprofundamento psicológico; são apresentadas em traços rápidos;
  • É organizado em torno de um único núcleo, um único problema;
  • Tem como objetivo envolver, emocionar o leitor. Retirado do site:Uol Educação - http://educacao.uol.com.br/portugues/ult1693u18.jhtm
  • terça-feira, 22 de junho de 2010

    O blog


    A professora Zorilda, ajudou todos os alunos a fazerem seu blog, na sala de informática da escola, foi legal, pois isto é uma prova de que a internet também transmite coisas úteis para a vida.